Auges e paradoxos de México

INFOLATAM

México DF, 27 maio 2013

Por LUIS RUBIO

(Especial Infolatam).- O México experimenta hoje um momento paradoxal. Por um lado, não há dia em que não se anuncie uma nova meta em matéria legislativa: a agenda de reforma que levava anos paralisada, subitamente cobrou um impulso inusitado. Por outro lado, as crises políticas se multiplicam por todos os lados: os partidos políticos se dividem, algumas comunidades rurais vivem revoltas populares e, em múltiplas regiões, as autoridades locais entram em colapso. Trata-se de circunstâncias excepcionais ou faces de uma mesma moeda?

O presidente Enrique Peña Nieto tomou o poder quase como um furacão. Inclusive antes da sua inauguração formal, o novo governo já tinha mostrado seus dotes de operação política no processamento de iniciativas de lei durante o tempo de transição. Em menos de 24 horas, já tinha anunciado um Pacto por México com os principais partidos de oposição, incluindo uma detalhada agenda de reformas previamente consentidas. Os meios de comunicação, militantes e críticos até o dia anterior à tomada de posse, subitamente eram só elogios.

Algumas semanas depois, a outrora líder do magistério estava na prisão.Ninguém parecia ter previsto a possibilidade de que o México tivesse um governo em forma:desde a revolta zapatista em janeiro de 1994 até a chegada de Peña Nieto, os mexicanos tinham se acostumado à mediocridade e à incompetência na presidência. Agora, subitamente, tudo parecia mudar.

A chegada de Peña Nieto à presidência foi como um alívio, uma rajada de ar fresco, depois de anos ausência de liderança. Efetivamente: Peña Nieto lidera um projeto de poder que se inspira em Adolfo López Mateos, o último presidente (1958-1964) que concluiu felizmente seu mandato, presidiu um período de crescimento econômico próximo aos 8% anuais em média, entregou a administração sem crise e exerceu um poder incontestável. Com Peña Nieto retornaram as formas do poder e a formalidade nas relações entre políticos. Sua agenda legislativa nos primeiros meses incluiu diversos assuntos (educação, telecomunicações, lei de amparo), mas, o denominador comum é um muito específico: a concentração do poder.

Passo a passo, a presidência foi se fortalecendo não através de atos ilegais ou decretos unilaterais (práticas comuns no passado), senão mediante ferramentas legais que conferem instrumentos de controle ao governo sobre grupos, entidades e instituições chave e, especialmente, sobre o que, nós os mexicanos chamamos “poderes fáticos”, esse núcleo de líderes sindicais, empresários e políticos que, quando o PRI perdeu a presidência em 2000, se converteram em poderes livres, sem controle algum e com capacidade de veto para proteger seus interesses econômicos e políticos.

O paradoxo do novo governo é que seu projeto é de poder mais que de desenvolvimento e que sua visão é a de recriar o mundo do PRI dos anos sessenta. Naquela época, a presidência e o PRI guardavam uma relação simbiótica, a economia –fechada e protegida- funcionava com o impulso da demanda que gerava o investimento governamental em infraestrutura. O presidente era a figura central da política nacional e o governo o factótum de desenvolvimento. Como a história testemunha, o sucesso do modelo é indisputável. No entanto, as circunstâncias de sessenta anos atrás são radicalmente diferentes das atuais: uma população quatro vezes maior, uma realidade política de fragmentação e descentralização, uma economia globalizada, o mundo da Internet e uma sociedade demandante e militante. Em uma palavra, ainda que a maior parte da população tenha dado as boas-vindas a um governo em forma, suscetível a restabelecer um sentido de ordem, a realidade atual não é compatível com uma tentativa de recriar o mundo relativamente simples de meio século atrás.

Neste contexto, não é surpreendente que, paralelamente com a ordem que impõe a nova administração e o progresso sistemático do processo legislativo, as crises políticas se multiplicam por todas as partes. Não é que uma coisa propicie outra (ainda que em alguns casos seja assim), mas as instituições que caracterizam o sistema político são, em boa medida, as do passado que não servem para processar conflitos e demandas de uma sociedade radicalmente diferente. Em contraste com a Espanha ou o Chile, que viveram um rompimento claro com respeito ao velho regime, o México nunca experimentou um momento de avarie. Independente das razões, o velho PRI nunca teve que se reformar e retornou ao poder como se nada tivesse acontecido nos anos intermediários.

Há ao menos três fontes de conflito político. Uma se deriva da combinação de descentralização política (e do orçamento) junto com a concentração do poder do crime organizado: o poder se descentralizou, mas os governadores não construíram polícias, ministérios públicos e, em geral, capacidade de Estado que substituísse o controle vertical que o governo federal exercia e que, por muito tempo, permitiu manter uma aparência de ordem.

Isto ocorreu justo quando os americanos tinham fechado as vias de acesso das drogas pelo Caribe, os colombianos tinha recuperado o controle do seu país e, após 2001, os estadunidenses tinham fortificado a fronteira. Tudo isto criou uma mistura letal: um fortalecimento brutal das máfias criminosas em frente a um sistema de governo fraco. O desafio é fenomenal e não se resolve meramente com um governo federal em forma, ainda que sem isso fosse impossível conseguir.

A segunda fonte de choque tem sua origem em conflitos comunitários (terras, controle regional, lideranças indígenas) que sempre existiram, mas que por muito tempo foram controlados e atados por um sistema político forte que nunca se ocupou em resolver as fontes de conflito, mas meramente em evitar que estas explodissem. Desaparece a capacidade de controle e os conflitos se afloram. Em muitos casos, se trata de movimentos sociais com raízes profundas que não podem se resolver por meio da repressão, senão que exigem novas formas de participação política. Inevitavelmente, sobretudo quando se trata das rotas da droga, não é incomum encontrar entrelaçados os movimentos de origem comunitária com o crime organizado, semeando o que eventualmente conduz ao colapso de todo vestígio de ordem e governo funcional.

Finalmente, a terceira fonte de conflito é produto dos desencontros que são produto de um sistema político velho que se recusa a se transformar: um sistema político pré-moderno, justiça medieval e formas não democráticas de ação política. Os legisladores protestam pelo que veem no Pacto por México como usurpação de suas funções e responsabilidades. Os governadores exercem os gastos sem prestação alguma de contas. Os poderes públicos não têm bem definidos seus limites e mecanismos de contrapeso. Em uma palavra, sobrevivem instituições e formas velhas que são incompatíveis com uma realidade transformada.

O México vive um momento de paradoxos e efervescência. Por quase vinte anos, o país foi se transformando sem um governo que lhe impusesse um caminho e sem um projeto coerente de reforma institucional ou econômica. Ainda que muitas coisas tenham avançado, a desordem era crescente. Na ausência de liderança presidencial, o país se movia em seu ritmo e forma, mas sem capacidade de aproveitar oportunidades e acelerar o passo do desenvolvimento econômico. Agora que há uma liderança efetiva a grande pergunta é se saberá aproveitar o momento para construir instituições modernas e forjar um futuro diferente ou se se limitará a tentar recriar um mundo que já não é possível.

Traduzido por Infolatam

www.cidac.org

@lrubiof

a quick-translation of this article can be found at www.cidac.org

 

http://www.infolatam.com.br/2013/05/28/auges-e-paradoxos/